terça-feira, outubro 01, 2013

Por que ilustrar?



Chegando eu e minha colherinha torta
por Maurício Veneza.


Acho saudável que questionemos os limites e intenções de nossa atividade profissional (sim, é uma profissão, embora muitos não reconheçam e façam tudo para que deixe de ser). Mas entendo que, como indivíduos, não precisamos, todos e cada um, termos uma única e idêntica motivação para o exercício do nosso trabalho. 

Não funciona assim para magistrados, nem para pipoqueiros, nem para astronautas. E mais: ninguém fica entrando a toda hora na cabine de um piloto de avião para perguntar por que ele se tornou piloto ou o que pretende com isso. No entanto, nós, a cada evento, a cada escola visitada, temos que explicar, até à náusea, por que fazemos o que fazemos.

Posso responder por mim. Mas não espero que minha resposta sirva para todos. Faço o que faço porque tenho paixão e sem paixão prefiro não viver. Faço porque é o que sei fazer melhor, embora nem seja tão bom assim. Não sou um educador. Não tenho a intenção nem a pretensão de ensinar através do que escrevo ou desenho. Lyman Frank Baum dizia, lá na introdução do primeiro livro da sua famosa série (A Terra de Oz), que não pretendia ensinar nada a ninguém, porque para isto já existiam os livros didáticos. 

Do meu humilde cantinho, no fundo da plateia, bato palmas pra ele. Sim, tenho uma responsabilidade com a formação do leitor. Se uma criança achar que meu livro é uma coisa detestável, pode imaginar que todos os livros sejam coisas detestáveis. Mas não quero lidar com temas da moda porque vendem mais. Ou ficar lendo pareceres de comissões de avaliação para me ajustar aos seus nebulosos parâmetros. Não estou nem aí para prêmios, porque, com tantos fatores envolvidos, não os entendo como reconhecimento pelo meu trabalho.

Não sei o preço dos meus livros, nem onde podem ser encontrados para compra, nem quantos exemplares foram vendidos. E se alguém esculhambar o que faço (até amigos fazem isto e não vou deixar de gostar deles por algo tão pequeno. Só lembro que é uma via de mão dupla...), estará exercendo seu legítimo direito de crítica. 

Quando brigo por melhores contratos, por direitos autorais ou por livros mais acessíveis, mais bem escritos e ilustrados, não o faço por mim, que
estou na reta final, quase chegando à linha de partida, mas pelos que estão vindo e pelos que vêm. Se alguém veio antes de mim, abrindo picada na mata, tenho a obrigação de ajudar na pavimentação da estrada...

Sim, preocupo-me com o futuro da nossa atividade, assim como me preocupo com o futuro do nosso planeta (e não apenas do nosso país), que depende dos que hoje são crianças. Como o beija-flor da fábula, faço a minha parte, mesmo tão pequena. E, enquanto me for permitido, continuarei fazendo. Até o último dos meus dias, se possível for.

(publicado com permissão do autor).

Sobre Maurício Veneza e sua arte:


Imagem: capa do livro "Coração de Passarinho", arte e texto de Maurício Veneza, editora Dimensão.

Um comentário:

paulinho disse...

Acho que, embora ressalte o caráter pessoal de cada profissional, representa muitos ilustradores. Lindo texto.