Nas bancas de jornal as publicações eram poucas. Por volta de uma dezena de revistas de grande circulação onde se poderia apresentar algo. Nenhum tipo de orientação acadêmica, nem de ateliês, nem de cursos livres.
O ilustrador, designer, ou escritor iniciante tinha pouca informação ao seu dispor. Mas, por outro lado, quando encontrávamos a mesma, ela era precisa. E logo firmávamos direção correta para nosso trabalho.
O que eu não gostava naqueles tempos era a falta de oportunidades. Eram poucos os editores que ousavam se arriscar num mercado quase inexistente para literatura infantojuvenil. Em quadrinhos nacionais nem se falava. Ainda lembro quando produzi junto com o Bernard o meu álbum de HQ Grimoire e tive de ouvir da Devir: "Não trabalhamos com quadrinhos nacionais. Tivemos um primeira experiência muito ruim (as revistas do Ota) e não vamos mais trabalhar com nada nacional".
Pois é... a Devir!!!
O álbum Grimoire, lançado na Bienal Internacional de HQ foi a segunda publicação mais vendida do evento, atrás apenas do novo lançamento do Sandman. E, por falta de distribuição, praticamente morreu na praia. Tinhamos um acordo prévio com a Devir, pois sabíamos que dependíamos de uma distribuição pelos pontos de venda de HQs para adultos. A Devir furou, o nosso barco afundou. Era frustrante ver o Grimoire receber matérias, às vezes de página inteira, em tudo quanto é jornal do país. A pessoas pedindo... e a gente sem ter a estrutura para distribuir. Uma loja do sul comprou um lote, vendeu tudo num único evento e deu o calote na gente.
Não existia distribuição para quadrinhos nacionais adultos. Nas bancas só a turma da Mônica e Disney. As distribuidoras eram apenas duas, e monipolizavam todos os espaços. Além de não distribuir tiragens pequenas (a nossa era de 3.000) elas sabotavam abertamente os editores que distribuissem por sua conta as revistas. Peguei mais de uma vez turma das duas grandes colocando a Grimoire escondida atrás das outras revistas. Esse era o panorama para quem investisse em quadrinhos brasileiros.
Tampouco havia espaço nas editoras de livros para crianças. Pois ainda eram poucas as publicações e material importado lotava as prateleiras das livrarias. No Rio de Janeiro apenas uma, até hoje única, livraria especializada no setor: a Malasartes, no Shopping da Gávea, recebe e orienta os leitores no que há de melhor para crianças e jovens (e apaixonados por arte como eu...).
Não existia Internet com suas milhares de oportunidades diárias de trabalho, projetos, iniciativas independentes, distribuição e vendas – para todo planeta! Sem falar nos espaços online permanentes para que mostremos nossa artes sem precisar carregar as pastas portfolios que massacravam minha coluna. Hoje é comum eu receber pedidos de artes de pessoas que me conheceram antes online.
E, até alguns anos atrás, a Internet também se mostrava campo belo para busca de informações sobre carreira, valores, projetos, direitos autorais. Bem, ainda é. O difícil agora é achar o que se quer e precisa dentre tanta bobagem!
De campo limpo, virou um garimpo clandestino! Procurando info sobre valores e práticas profissionais, entrei e sites de "orientação" que são um pesadelo para qualquer iniciante. Muita desorientação. E, pasme, não apenas blogs e podcasts de oportunistas amadores, mas alguns sites de "sindicatos" e "associações" regionais.
Muita informação pode ser tão ruim quanto a falta de informação. Ao entrar num destes sites que "ensinam" a ser freela, a ser designer, ilustrador etc. e encontrar orientação equivocada, a carreira criativa começa com o pé errado. O resultado é gente batendo a cabeça e se sabotando sem perceber.
Pessoalmente, acho muita irresponsabilidade de uns e outros, que passam informação errada para quem está começando.
Exemplos de desinformação:
Blogs/podcasts/sites que ensinam ao criativo (chamarei assim nossa turma que trabalha com criatividade: designers, webdesigners, ilustradores, tradutores, roteiristas, escritores, etc) que para calcular o valor/preço de seu trabalho ele precisa calcular sua hora/trabalho com base em:
–tempo de execução;
-material utilizado;
- suas contas...
Pééééé!FAIL!Aperta a buzina na cara de quem diz isso!
Obviamente, freelancer precisam saber seus custos fixos, para poder compara-los aos ganhos. Se os ganhos são menores que seus custos, é porque não sabe administrar sua carreira solo, até aí ok.
Mas NÃO SE CALCULA VALOR DE TRABALHO CRIATIVO COM BASE EM HORA/TRABALHO!!!!
Use esse valor apenas para administrar sua carreira, mas saiba que para nosso tipo de produção existe um código legal chamado: LEI BRASILEIRA DOS DIREITOS AUTORAIS. Clique aqui para conhecer a lei que nos dirige.
Ela foi criada especialmente para que o país pudesse contar com sua criatividade, um incentivo à nossa cultura e indústria criativa. Ela determina que cabe ao autor a forma como será utilizada sua criação e que a remuneração é a priori obrigatória. Devido a isto é que não somos considerados prestadores de serviço. E sim autores. O que "vendemos" é o direitos de uso da parte patrimonial de nossos direitos autorais. Assim, nossos clientes, parceiros ou colaboradores em projetos, firmam conosco contratos de direitos autoral.
Dependendo do que estamos a produzir, criar, um tipo diferente de contrato será usado. O ilustrador Montalvo Machado, a mais de uma década, disponibiliza gratuitamente em seu site profissional vários exemplos de contratos, para diversos usos. Lá também se encontra muito material orientando os novos criativos. Diga-se de passagem, o Montalvo não só é um dos que mais ajudou e orientou quem ingressa no mercado, mas quem também batalhou muito pelo profissionalismo e qualidade da ilustração brasileira. Na dúvida: escuta o Montalvo que não tem erro. Veja também seu blog, o Sketcheria.
Pois então... tem muito blog/podcast/site por aí que esconde essa informação, ou por desconhecimento, ou por má-fé mesmo. Ainda lembro de um longo debate entre eu e determinada podcasteira em que ela batia o pé dizendo que designers, ilustradores, não tinha direito autoral. Muito simples: mostrei para ela a lei, os contratos que eu tenho firmado, expliquei com detalhes que elucidariam um coelho surdo. A resposta dela: é uma questão de opinião. Me recuso a discutir isso.
A "pérola" mais recente da menina foi defender certa Tabela Chimarrão (um desastre para todos nós!) dizendo que "tudo bem se o iniciante cobrar valores bem menores que os corretos". HEIN!?!?!
Isso mesmo que ouvi!?! Pelamordedeus qual a lógica de se passar anos investindo numa carreira de designer (mesmo os micreiros investem alto) para ganhar migalhas e não conseguir crescer na profissão? COMO alguém cria um podcast se propondo a ser guia para os freelas fala uma asneira destas? Será que ela diria o mesmo para outras categorias profissionais? Médicos, dentistas, diaristas, taxistas, engraxates... já passaram pela mesma dificuldade. Mas existem muitos mais médicos, etc do que designers e ilustradores. Então vamos continuar comendo mosca e sendo tratados como amadores??? Que raios de "dica", desculpe, opinião é esta? Na boa: desliga o podcast. Não contamine seus ouvidos com tamanha desinformação. Ninguém vai pra frente sem se colocar de forma profissional no mercado. Por sorte eu descobri isso a tempo, e hoje aqui estou, repassando o que aprendi com outros profissionais.
Então veja: o mercado hoje é imenso, com oportunidades infinitas. No desespero é possível até mesmo ganhar dinheiro criando seus próprios projetos, sem precisar ficar esperando chamado de cliente.
A visibilidade de seus trabalhos é planetária! A oportunidade de conhecer gente e firmar parcerias é constante. Só que precisa entender o valor do que você faz. Sua criatividade irá render dinheiro e conhecimento para o mercado e mundo. Falaremos mais sobre isso. No momento, apenas cuidado com a desinformação online... é muita poluição neste mar! Não vá engolir bosta, nem beber em tabelas Chimarrão.
Sucesso!